PONTO DE VISTA

Ventos do Leste

12/04/2021

 

Por Milton Rego

A palavra sustentabilidade deixou de ser exclusiva do dicionário de ativistas para virar ativo de mercado. Empresas e governos discutem como produzir riqueza de forma sustentável, respeitando a natureza e o homem. Consumidores cada vez mais enxergam valor em produtos verdes e se mostram dispostos a pagar mais por eles. O Fórum Econômico Mundial, que reúne periodicamente lideranças mundiais em Davos, nos gelados Alpes Suíços, acelera o Great Reset. O movimento quer redesenhar o mundo pós-pandemia incentivando as nações a adotarem formas de produzir mais sustentáveis, mais inclusivas e menos consumistas. 

A maré verde é inexorável. A questão que se coloca é a respeito da velocidade desse tsunami. Afinal, os produtos na ponta do consumo são mais permeáveis a incentivos e vantagens em relação à sua menor pegada de carbono. E no caso das matérias primas, dos produtos minerais? O que essa virada envolve e como ela vem se desenrolando?

A Europa, como unidade econômica e cultural, está na vanguarda de uma visão sustentável de economia. Seu nível de desenvolvimento é mais homogêneo, seus consumidores são mais verdes do que os outros, os partidos ambientalistas têm expressão e há uma ideia generalizada na sociedade de que a sua agricultura e indústria precisam de “proteção" – vale dizer, isonomia de práticas sustentáveis. E isso trará desdobramentos imediatos. Um exemplo: desde o semestre passado discute-se uma norma ISO sobre biodiversidade. Imagine o impacto que tal medida representa na operação de minas que produzem para exportação.

Contudo, o principal ator desse jogo, principalmente quando se trata de commodities, é a China. O país consome algo entre 40% e 50% da demanda mundial de produtos minerais. Além disso, é também um grande produtor. Atende o seu gigantesco mercado interno e responde por 13% do comércio mundial de metais base.

Apesar do protagonismo europeu, que agora conta com a simpatia do governo Biden para elevar o sarrafo nas questões de sustentabilidade, a movimentação chinesa é determinante para qualquer regulação de caráter mundial envolvendo mineração. A União Européia prometeu se converter em “carbono neutra” até a metade deste século. Mas é a China que tem o poder de virar o jogo. Uma coisa é ter uma certificação ou normas estabelecidas – nesse caso, o International Council of Mining and Metals (ICMM) é um belo exemplo. Outra é a irreversibilidade da mudança, ou seja, a disposição do mercado de pagar por ela.

Na abertura da Assembleia Geral da ONU, em setembro do ano passado, o presidente chinês Xi Jinping anunciou os novos e ousados compromissos do país em relação à redução de emissões. A China vai trabalhar pela neutralidade de carbono até 2060. Isso significa alcançar o equilíbrio entre emissões e a sua retirada da atmosfera, objetivo extremamente ousado. Nenhuma outra grande economia se comprometeu até hoje a baixar tão rapidamente as suas emissões. Campeã mundial em geração de riqueza e em índices de poluição, a China precisará mudar completamente o perfil do seu crescimento para atingir a meta anunciada. 

E o gigante não está de brincadeira. O último plano quinquenal publicado agora em março inclui metas vinculantes para a redução das emissões de CO2 e para a utilização de energia por unidade produzida.

O plano chinês vai afetar significativamente o mercado de minerais e metais. O principal vetor da mudança está no padrão de geração de energia. A China, o maior emissor de gases do efeito estufa (GEE) do planeta, precisa diminuir o uso do carvão como combustível das suas usinas. E já está diminuindo. O país se transformou no maior investidor em energias renováveis. E um dos objetivos desse aporte é suprir até 2030 um quarto do total de sua demanda com energia eólica. Na outra ponta, os chineses põem recursos em inovação e tecnologia. Em 2019, a rubrica levou US$ 83 bilhões, contra US$ 54 bilhões da Europa.

Hoje, cinco das seis maiores empresas fabricantes de painéis solares no mundo são chinesas, assim como a maior produtora de turbinas eólicas, a maior de baterias de lítio, sem esquecer a maior usina hidrelétrica do mundo.

Da mesma forma que a Europa busca isonomia para a sua indústria, uma vez que a economia chinesa atinja padrões sustentáveis consistentes, necessariamente irá controlar a pegada de carbono em toda a cadeia envolvida na produção dos bens. Quando isso acontecer, fatores ligados ao desenvolvimento sustentável como pegada de carbono, ESG, biodiversidade, que hoje participam das decisões das empresas de mineração mais por questões de reputação e de licenças sociais, também passarão a compor e a influenciar o preço de venda dos produtos minerais. 

E isso não demora. Dentre as matérias primas de utilização em larga escala, o alumínio deve ser o primeiro metal a ganhar um selo verde de comercialização. Desde o ano passado, a Bolsa de Metais de Londres (LME, em inglês) prepara uma plataforma para vender exclusivamente alumínio com baixa pegada de carbono. A LME reage a um movimento do mercado. Gigantes como Nestlé, Apple e Jaguar, por exemplo, passaram a usar somente alumínio certificado em seus produtos. Agora, imagine quando a China resolver fazer o mesmo em seu gigantesco mercado.

Em 2018, tive a oportunidade de ouvir um membro do politburo do Partido Comunista Chinês (equivalente aqui ao núcleo duro da presidência). Ele comentou a respeito dos sete desafios do governo em toda a história do socialismo. Três deles já haviam sido superados, o quarto estava quase terminado e o quinto – desenvolvimento sustentável, se iniciava. Os chineses, explicou, começam a entender que "águas claras e montanhas verdes são tão valiosas quanto montanhas de ouro e prata".

Os ventos da sustentabilidade também soprarão do leste.