Bolsa do Canadá quer ajudar mineradores brasileiros a atrair investidores

28/08/2023
Entrevista com o Head da TXS e TSX Venture, Guillaume Légaré
Guillaume LLegaré

 

A bolsa de valores de Toronto, através de suas duas plataformas TSX e TSX Venture, está intensificando esforços para apoiar as companhias mineradoras com atuação no Brasil – principalmente aquelas que estão direcionadas para minerais críticos – na obtenção de financiamento para seus projetos e possível listagem no mercado de capitais canadense. É o que afirma Guillaume Légaré, Head da Toronto Stock Exchange e TSX Venture Exchange para a América Latina, acrescentando que o Brasil é conhecido do investidor internacional e que a intenção da bolsa canadense é fortalecer a presença brasileira no mercado de capitais.

Ele informa que a América Latina atualmente é o mercado mais importante para a bolsa de Toronto, com 316 empresas listadas (incluindo a TSX e TSX Venture) e um total de 1.096 propriedades, e que o setor de mineração é o mais importante nas duas bolsas. O Brasil, com 35 empresas listadas, não é o país da América Latina de maior destaque hoje no mercado canadense, ficando atrás de México (127 empresas), Peru (60), Argentina (52) e Chile (35). “Chegamos para melhorar esse número, porque o Brasil, apesar de ser um país mineiro, não tinha como prioridade o desenvolvimento do setor”.

Para Guillaume Légaré, o mercado percebeu que, com a transição para energia limpa, a América Latina vai se transformar novamente num mercado muito importante, com os metais críticos. “Vimos vários exemplos, como o da Sigma Lithium, e acreditamos que tudo isso deve abrir o caminho para mais listagens no futuro. Para isso é importante ter uma presença local, lembrando que fomos a primeira bolsa internacional a ter essa presença no Brasil e na América do Sul, o que é muito relevante também. Mas não chegamos ao Brasil para competir com a B3, com outros mercados, e sim para fazer uma boa parceria com os mercados locais. Chegamos com 170 anos de experiência no mercado canadense e consideramos muito importante, no setor de mineração, levar esse know-how para os mercados internacionais. A ideia é trabalhar mais com emissores dos vários países e também ajudarmos os emissores a fazer a captação e listagem em mercados como BDRs (Brazilian Depositary Receipts), por exemplo. A Aura Minerals lançou BDR, então para nós é um sinal de que os mercados têm que ficar interconectados. Temos que realmente aproveitar as forças de cada mercado para fazer crescer o setor mineral no futuro”, enfatiza.

Ele diz que a dual listing (listagem dupla) é um caminho natural a ser seguido por empresas que pretendem também fazer captação no Brasil, citando o caso da Aura Minerals, que é listada na bolsa canadense e que fez IPO também no Brasil. “Já vimos, com a operação da Aura, que estão faltando opções para investidores querendo investir no setor de mineração no Brasil. Faz muito sentido uma empresa que já está listada na TSX ou TSV, ter BDR no Brasil, porque o nosso mercado tem uma regulamentação forte, tem o relatório 43.101, que dá segurança ao mercado de mineração. Isso é um sinal positivo para o mercado brasileiro, porque a empresa que já se listou no Canadá tem um bom nível de governança, comprovou reservas. É realmente a integridade do mercado canadense que queremos trazer para cá. Tem muito potencial. Só que até agora vimos apenas BDR de empresas com gestão brasileira. Não é um processo tão acessível para todas as empresas listadas no Canadá. Seria bom ver, no futuro, como podemos ajudar nesse processo de dupla listagem e como podemos trabalhar com a bolsa local para criar um novo mercado para o setor de mineração”, propõe Légaré.  

Referindo-se ao Invest Mining, iniciativa que tem por objetivo atrair investidores para projetos de mineração no Brasil, sobretudo em estágio inicial, o representante da TSX diz que a bolsa canadense participou de algumas discussões iniciais e que tem sido uma prioridade fazer parte do sistema que está querendo melhorar o acesso ao capital local. “Eu diria que tivemos mais discussões com a bolsa B3 do que com o Invest Mining, mas a ideia é retomar o contato para realmente trazermos a experiencia para esse comitê e também mostrar que para nós é importante achar uma solução para o mercado brasileiro. Não se trata só de levar empresas para o Canadá, para listar. Acreditamos também que tem que ter um capital brasileiro para as junior mining companies a poder crescer no futuro. Nosso objetivo é identificar os bons projetos, qualidade do ativo, qualidade da equipe de gestão, e favorecer a conexão com nossos investidores que têm um conhecimento do setor de mineração. Temos que aproveitar o melhor dos dois mercados”, diz ele, lembrando que o mercado de capitais canadense tem 250 analistas.

O executivo observa que o que permite ter acesso ao mercado Venture é o retail investment, isto é, o pequeno investidor. “E o Brasil tem esse potencial também, porque tem muita pessoa física investindo na bolsa agora e esse número está crescendo. Vamos precisar desse capital retail no Brasil para favorecer a listagem de junior mining companies também. Tem um trabalho a ser feito, mas obviamente deve-se aproveitar a sinergia dos mercados e a experiencia do mercado canadense”.

Ele lembra que há 1.129 empresas de mineração listadas no mercado canadense (937 na TSX Venture e 192 na TSX), o que representa 32% do total de empresas listadas na bolsa de Toronto e 13% de todo o mercado de capitais. “Somos líderes em termos de melhores empresas listadas, de capital social levantado. 47% de todo o capital social levantado, em 2022, foi através da TSX Venture e TSX, somando US$ 7,6 bilhões em 2022 e US$ 44 bilhões nos últimos cinco anos. Neste período, a mineração respondeu por 36% de todo o capital global nas duas bolsas. Para nós isso é um sinal de que as empresas estão usando nossa plataforma para alocar capital e os investidores também estão acreditando em nosso mercado. E a ideia é manter essa posição dominante e crescer ainda mais na América Latina. No Brasil são 35 empresas, com 94 propriedades e US$ 420 milhões levantados em 2022. No Peru foram US$ 100 milhões, México US$ 1 bilhão, Argentina US$ 298 milhões (por causa de todos os projetos de lítio)”.

Custo da listagem

Com relação à queixa de algumas empresas sobre o custo para se fazer uma listagem no Canadá, Guillaume Légaré diz que isso depende muito do porte da empresa e do empreendimento. “Acho importante saber que existe um custo que vai ser repartido entre o banco que vai fazer a operação e o advogado que vai lidar com a operação. E para nós não é o custo que está impedindo a empresa de ser listada, mas o nível de prontidão dela. Geralmente a empresa sabe que tem um custo para acessar capital social. Mas a ideia é posicionar a empresa para acessar esse mercado bem mais cedo, poder levantar capital inicialmente, aprender como se comportar como uma empresa listada, e depois poder crescer e levantar mais capital. É bom saber que tem um custo, também em nível de tempo. Um executivo de empresa de mineração que não tem experiência de mercado de capitais vai dedicar uns 20% do seu tempo para fazer todas essas questões de Relações com Investidores, e precisa de uma equipe de gestão sólida também. Para nós existe geralmente um gap entre um projeto, equipe de gestão e uma empresa listada. Então estamos ajudando o posicionamento no tempo. E o custo depois é secundário. É mais uma questão de achar o melhor timing para chamar a atenção do mercado e levantar o capital necessário para o investimento”.

Trampolim para bolsas americanas

Algumas empresas têm usado a listagem no Canadá como um trampolim para o mercado americano. Para Guillaume, isto é muito importante também, porque estamos falando mais de transição para energia limpa, metais de bateria etc, que está chamando também a atenção de investidores internacionais, através da Nasdaq. “A ideia é ajudar a posicionar as empresas na TSX Venture inicialmente. A partir de um momento, vai ser possível fazer a graduação para a TSX e depois, com o MJDS (Multi Jurisdictional Disclosure System), vai ser mais fácil fazer uma listagem dupla com a Nasdaq. Hoje tem mais de 300 empresas que fizeram de maneira global esse caminho de dupla listagem com a TSX e bolsas americanas. É um caminho quase natural, para as empresas, começar na TSX Venture, graduar para a TSX (tem 4% das empresas de mineração na TSX que são graduadas da TSX Venture) e depois fazer dupla listagem com a Nasdaq. Mas já 40% do daily trader (comercio diário) da bolsa de Toronto vem de fora do Canadá. E na TSX pode-se acessar investidores internacionais. Só que às vezes para uma empresa que está crescendo ao nível de capitalização de mercado acima de US$ 1 bilhão, pode ser interessante também adicionar uma listagem no mercado americano. Mas com a TSX já se tem acesso ao investidor institucional canadense e internacional”.

Visão do pequeno investidor sobre mineração

Indagado sobre o desconhecimento do pequeno investidor no Brasil sobre o setor de mineração, reforçado com a imagem negativa do setor perante a sociedade, devido aos acidentes, o representante da bolsa canadense diz que são aspectos que precisam ser trabalhados. “Acho que se vai ter uma oportunidade grande, no Brasil, de falar com os investidores de mercado para entender sobre como funciona a mineração. Para uma empresa junior que não produz nada, é complicado explicar para o pequeno investidor como ela funciona e quanto tempo vai demorar para realmente gerar resultado. Mas também acho que tem oportunidades de se posicionar esses investidores para o futuro da mineração no Brasil, porque eles vão querer fazer parte do sucesso da mineração. Não é só uma questão da listagem lá fora para o mercado de fora aproveitar as riquezas do Brasil. Esta é uma mensagem muito forte. Se conseguirmos, no Brasil, chamar a atenção do pequeno investidor e trazer segurança para essas transações, comprovando com o mercado canadense, que está conseguindo trazer essa segurança tanto do lado do emissor quanto do investidor, isso vai ser uma ocasião única para o investidor brasileiro: fazer parte do futuro da mineração. Acho que tem que vender o investimento no setor dessa maneira. Se conseguirmos juntar bons projetos, com boas equipes de gestão, num mercado que vai favorecer a captação de capital, o investidor brasileiro tem que fazer parte do sucesso dessa operação, para realmente aproveitar o potencial do setor mineral do Brasil. Mas vai demorar, porque há poucas empresas, poucas opções na bolsa agora e vai demorar para desenvolver uma cultura de investimento no setor de mineração. Por isso, trazendo décadas de experiência do mercado canadense ao mercado brasileiro, podemos ajudar a realmente trazer essa segurança”.

Para ele, há que se prestar atenção nas empresas em estágio inicial, porque são as que vão crescer mais no futuro. “Por isso nós, como bolsa, como plataforma, temos um papel importante, de favorecer o acesso a capital bem cedo. Uma boa notícia é que investidores internacionais estão procurando esses ativos agora. Basta falar de projetos de lítio, no Vale do Lítio, que o investidor fica atento e é possível captar oportunidades que estejam em estágio bem inicial”.

Ele explica que a bolsa canadense tem um programa (Capital Pool Company), da TSX Venture, para fazer conexão entre as CPCs (que têm equipe de gestão, experiência no mercado de capitais), com uma propriedade ou uma empresa privada que está querendo se listar na bolsa TSX Venture. A CPC é uma empresa de prateleira, sem ativos ou operações comerciais, que é listada via um IPO e levanta capital no mercado, resultando em Caixa, que é o seu ativo. Os investidores participam do IPO da CPC com base no sucesso de sua gestão e seu histórico. Ela é listada com o símbolo “.P”, ou seja CPC.P.

O programa CPC introduz investidores que têm experiência no mercado de capitais e gestão de companhias públicas para empresários que cujas companhias em estágio inicial de desenvolvimento ou em crescimento que requeiram o suporte desses indivíduos. “Podemos favorecer a listagem dessas companhias fazendo a conexão entre as CPCs e as propriedades de lítio, por exemplo. A TSX Venture tem uma equipe que vai orientar como se comportar como uma empresa privada em termos de Relações com Investidores, Governança, muitas coisas. Então a empresa listada não vai ficar sozinha. Consideramos que os CPCs podem ser uma estrutura bem mais eficiente para esse processo”.

Direito minerário como garantia

Sobre a permissão do uso do título minerário como garantia para captação de recursos financeiros, que o Brasil está aprovando, Guillaume diz que, para o mercado canadense, a integridade vem a partir do momento em que a empresa tem um relatório 43.101. “Este é um ponto de partida e um elemento muito crítico do Listing Requirements da TSX Venture, bem como para o início do diálogo com qualquer banker e também com todo o mercado, o sistema. A partir do momento que se tem o relatório 43.101, fala-se a mesma linguagem. Pode-se comparar uma empresa com outra, favorecer a valoração desse ativo. Então, para nós é o início da discussão: o relatório e a comprovação de reservas. O 43.101 e reconhecido no Canadá e mundialmente, mas poucas pessoas no Brasil conhecem esse instrumento, que está realmente na base do mercado financeiro”.

Ele acrescenta que a informação gerada no Brasil, através da CBRR (Comissão Brasileira de Recursos e Reservas) é boa, porque há bons profissionais no País, mas para que um projeto brasileiro possa acessar os mercados internacionais é preciso que um QP (Qualified Person) comprove os números, ordene e alinhe as informações da maneira mais adequada para o investidor internacional. “Às vezes leva só algumas semanas ou meses para fazer esse relatório e o QP é uma pessoa independente, que vai poder comprovar essas informações. A partir desse momento o ativo tem uma melhor visibilidade frente ao mercado financeiro. Então não é uma questão de inadequação entre os dois mercados, mas de usar informação e alinhar com a norma 43.101 para os mercados internacionais. E a partir desse momento as portas vão se abrir”, aconselha Légaré.

Transparencia

Uma das exigências para que uma empresa possa se listar, tornar-se pública, é que ela precisa prestar contas, divulgar as informações, ter um nível de transparência das atividades, a fim de que o investidor possa tomar a decisão de investir ou não, de manter a posição ou sair, isso tanto o pequeno investidor quanto o institucional, segundo Légaré. “Hoje há poucos investidores que vão investir sem considerar qual é a posição ESG do projeto. Para mim é uma oportunidade de divulgação, porque a bolsa não vai dizer aos emissores o que divulgar, mas os incentivamos a divulgar as informações de ESG, para que o investidor tenha acesso à informação. A bolsa não vai comentar se é bom ou ruim fazer mineração na Amazônia. Vamos só ajudar as empresas na bolsa sobre como deveria fazer essa divulgação. Porque hoje todo mundo conhece a Amazônia. E se você falar de exploração na Amazônia, tem que ter um relatório ESG completo sobre como está fazendo essa exploração. Então, para mim é positivo ter essa divulgação e é o investidor que tem experiencia de fazer o investimento que vai se sentir bem ou não com esse nível de exploração. Eu prefiro ver uma empresa pública ter esse nível de transparência do que uma empresa fechada, que não está tão propensa a compartilhar essa informação. A bolsa é uma maneira transparente de compartilhar essas informações, de forma estruturada. O ESG no Canadá não é prescritivo. É mais indicativo. Já o nível de divulgação de ESG das empresas de mineração ficou muito alto. Creio que 95% das empresas de mineração têm o relatório ESG”, afirma.  

Perspectiva da mineração no Brasil

Embora afirme ser difícil saber qual vai ser o futuro da mineração no Brasil, o representante da TSX e da TSX Venture diz que o mercado procura ter uma visão bem pragmática sobre o futuro. “Falei dos resultados da Aura, da Sigma, há outras empresas no Brasil que tiveram bons destaques, e agora nossa prioridade é fornecer mais oportunidade para as junior mining companies, fazer a conexão com as CPCs, com o mercado. Eu diria que o Brasil está melhorando em termos de atração de investidores, mas outros mercados têm situação mais desafiadora, em nível político, de como o setor de mineração vai se desenvolver. O Brasil está se destacando nesse nível. Não quer dizer que a situação é perfeita, mas em nossa avaliação o diálogo é muito positivo, e a reflexão de nossos emissores sobre a situação no Brasil ficou bem positiva. A bolsa quer continuar a fazer parte desse diálogo. Vamos organizar, em setembro, um evento com bancos de investimento em São Paulo, sobre recursos naturais. É uma oportunidade de fazer um investor day no Brasil com investidores, emissores, empresas privadas, em São Paulo, que é o hub financeiro da América Latina. A ideia é destacar as oportunidades do Brasil fazendo outros eventos desse tipo para posicionar melhor oportunidades do Brasil. É isso que vai também chamar mais a atenção de CPCs, de bancos e investidores", conclui Légaré. (Francisco Alves)