Geologia dos lugares sagrados dos povos umukori Mahsã (Desana) e Yepamakori

15/07/2024
Por Cisnea Menezes Basilio e Raimundo Humberto Calvalcante Lima

INTRODUÇÃO

Os Sítios Naturais Sagrados (SNSs) emergem como tema crescente nas discussões de políticas públicas brasileiras, sendo descritos como áreas de relevante importância cultural, biológica e geológica consagradas por povos nativos ao longo da história (Thorley; Gunn, 2007; Verschuuren et al., 2010; Wild; Mcleod, 2008). Os SNSs são identificados globalmente, com importância nas estratégias de proteção da natureza, refletindo o reconhecimento internacional dos direitos dos povos indígenas e seus conhecimentos tradicionais para a conservação da biodiversidade (Fernandes- -Pinto; Irving, 2015) e mais recentemente da geodiversidade (Silva; Moura-Fé, 2018). Na região Amazônica destaca-se o SNS da Cachoeira de Iauaretê, associado aos mitos de origem de povos indígenas do Alto Rio Negro (Amazonas/Brasil) reconhecido como patrimônio cultural imaterial brasileiro em 2006 (Iphan, 2008; Jaenisch, 2011). Locais como esse, são descritos como wametisé (lugares sagrados), pelos povos indígenas do Alto Rio Negro.

As narrativas indígenas rio-negrinas sinalizam para duas categorias de wametisé. As “casas de transformação” ancestral, que correspondem aos lugares relacionados com a viagem da cobra-canoa, considerados locais de muita importância e poder. A outra categoria, são os lugares relacionados com a origem do mundo e dos seres que nele vieram habitar nos tempos primordiais, como os waimahsã (gente-peixe) que deram origem tanto às espécies vegetais da Terra/Floresta, da água (ahko) e do ar (ome) (Scolfaro, 2014).

Os povos Desana (Umükori Mahsã) e Tukano (Yepamahsã) possuem uma relação muito especial com a geodiversidade mais notadamente com as paisagens. Suas narrativas míticas e bahsese (repertório de expressões utilizados por especialistas indígenas) estão repletas de referências geográficas que delineiam rotas de lugares especiais relacionados à origem do mundo e de seus primeiros ancestrais. É evidente a relação especial que esses povos possuem com o território e suas paisagens e ao modo como a geografia, nas sociocosmologias, se constitui como um princípio orientador da história e do cotidiano atual dos povos do Alto Rio Negro (Scolfaro, 2014).

De modo geral, os Sítios Naturais Sagrados (SNSs) no estado do Amazonas têm sido predominantemente vinculados a sítios arqueológicos, notadamente por meio da análise de petróglifos encontrados ao longo do rio Negro e de seus afluentes desde meados do século XX. Essa associação foi evidenciada em estudos como os conduzidos por Ermanno Stradelli (1900), Theodor Koch-Grünberg (1907), Viveiros de Castro (1998) e Valle (2008, 2012). Diante da escassez de investigações geocientíficas dedicadas a esses locais sagrados, surgiu a motivação para formular a hipótese de examinar se existe uma correlação entre o conhecimento tradicional indígena, as narrativas mitológicas e as concepções sobre a Terra, sob a perspectiva geocientífica.

Com base nos princípios mencionados, este estudo tem por objetivo investigar as interconexões entre os componentes da geodiversidade e os locais sagrados, com base na visão cosmológica dos povos Desana (Umükori Mahsã) e Tukano (Yepamahsã) em São Gabriel da Cachoeira (Amazonas/Brasil). Para atingir tal propósito, realiza-se uma análise integrada das narrativas míticas (kihti ukuse) desses povos, aliada à interpretação dos elementos geológicos da área de estudo.

Veja o artigo completo na edição 440 de Brasil Mineral