Como reduzir impactos sociais e ser proativo?

17/06/2023
A parte da manhã do segundo dia do 8º Mineração &X Comunidades teve uma série de palestras, onde foram abordados diversos temas.

 

A parte da manhã do segundo dia do 8º Mineração &X Comunidades, realizado em 15 de junho, teve uma série de palestras, onde foram abordados diversos temas, com mediações de Rolf Fuchs, da consultoria Integratio e conselheiro da revista Brasil Mineral, e Francisco Alves, diretor editorial da Revista Brasil Mineral.

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A primeira palestra denominada ‘Mineração e transição energética, territórios e comunidades: uma equação global e brasileira’, foi ministrada por Bruno Gomes, sócio-fundador da agência Humana, que abordou o momento pelo qual o Brasil e o mundo passam e como o território pode ser um ângulo interessante no âmbito entre a relação entre mineração e comunidades. “As mudanças climáticas atualmente são um imperativo mundial e nos levam à descarbonização da economia (Acordo de Paris 2015), e o aumento das energias não-fósseis, o que nos mostra uma transição, mas ainda mantendo um bom consumo de carvão e petróleo. Ainda usamos os dois combustíveis fósseis, porém estamos acrescentando cada vez mais as energias renováveis”. 

O volume no consumo de energia deve mudar pouco nos próximos anos, já que a biomassa tradicionalmente usada é madeira. “De todo modo, há um processo de modificação para o futuro e a matriz deve mudar por meio de três dimensões: estruturas de transporte, armazenamento e distribuição, substituição da infraestrutura utilizada por veículos elétricos, por exemplo, e o uso dos minerais críticos (cobre, silício, níquel, lítio, grafite, terras raras, etc). “No Brasil há um grande potencial para esse setor se desenvolver, mas temos nossas contradições socioeconômicas e para esta expansão ocorrer existem desafios, como a questão dos territórios. “O Brasil tem a questão fundiária mal resolvida e as instabilidades ao uso do solo em todas as regiões, além das disputas territoriais (agronegócio, geração de energia, mineração, infraestrutura, demarcações, agricultura familiar, etc), e terá que lidar com todas essas demandas, pois são legítimas”. 

Segundo Bruno Gomes, a mineração nos próximos anos enfrentará a finitude dos recursos minerais e nas áreas ocupadas para geração de energia (eólica, solar, hidro, biocombustíveis). “O território é o fator crítico e a mineração vai encarar o problema do “boom”, já que não favorece os territórios. Na nova geopolítica mineral existe a competição por recursos e mercados, exigência de rastreabilidade e comprovação que não haja desmatamento, regulamentação, violação dos direito e impactos socioambientais e o desenvolvimento de políticas de P&D influenciadas por fatores geopolíticos e sociais”. 

Para ele, o território é a commodity mais comum na relação mineração e comunidades e os três pilares da governança territorial são agendas de desenvolvimento, onde é explicado como o empreendimento vai impactar a região, mecanismos financeiros - as formas inovadoras e seguras de investir com segurança no desenvolvimento de territórios e comunidades. Em sua conclusão, Bruno Gomes disse que a mineração deve preocupar-se com três pilares da governança territorial: Agendas de Desenvolvimento, capacidades locais e mecanismos financeiros, sistematicamente e ao longo de todo o ciclo. “É preciso reunir os agentes locais para debater um plano de longo prazo e atender às demandas das comunidades, o mecanismo financeiro e como repassar os investimentos para alavancar o desenvolvimento do território e o fortalecimento das capacidades locais públicas, privadas e coletivas para que as organizações tenham maturidade para gerir os investimentos e participar de forma mais qualificada da governança territorial, para otimizar recursos públicos e garantir maior impacto positivo e incidência de sua ação no território. 

Apoio à gestão pública

Em seguida, coube a Leandro Faria, gerente geral de Sustentabilidade da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), apresentar a palestra ‘Apoio à gestão pública e dinamismo econômico das comunidades’ que abordou a sustentabilidade como o ponto de partida da companhia para lidar com as estratégias ESG. “O ‘X’ da questão está na geração de valor e, pensando assim, há uma chance de o negócio ter sucesso”, disse Faria. 

Ele acrescentou que a estratégia ESG 2030 da CBA visa produzir soluções de alumínio que transformem vidas, já que o alumínio está presente em diversos setores. “O alumínio está presente na transição energética para o futuro do nosso País. Nós temos que garantir a oferta de alumínio de baixo carbono, em parceria com os stakeholders, o desenvolvimento das comunidades junto à CBA, além de influenciar positivamente toda a cadeia de valor do alumínio”. 

A atuação social da CBA é pautada no desenvolvimento da qualidade da educação onde a empresa opera, além de apoiar à gestão pública para oferecer à localidade e aos governos locais condições de modernização de suas gestões, dinamismo econômico para verificar qual é a melhor vocação da comunidade e, por último, a garantia dos direitos das comunidades. 

A CBA realiza sempre o diagnóstico local de cada território para apoiar técnica e financeiramente a região, visando o fortalecimento das cadeias produtivas inclusivas capazes de gerar renda. 

A terceira participação do dia teve a apresentação do ‘Case Nexa: Gente cuidando das águas - um case apresentado na ONU’, por Cristiane Holanda Moraes Paschoin, Gerente de Gestão Social da Nexa. “Construímos esse projeto ‘Gente Cuidando das Águas’ há seis anos, desde sua concepção, no município de Vazante. O projeto tem como meta proporcionar um amplo conhecimento sobre a bacia do rio Santa Catarina e a importância do uso sustentável”. 

Inicialmente, em 2017, a divisão de meio ambiente mapeou todas as áreas próximas às nascentes do rio Santa Catarina, e no ano seguinte a Nexa decidiu que o trabalho seria desenvolvido pelas áreas social e ambiental da empresa junto aos produtores rurais da região. “Não tem trabalho da empresa com o produtor sem conscientização, então, passamos a integrá-los às escolas para explicar a importância das águas, em um trabalho de educação ambiental”. 

Em 2022, a Nexa chegou a proteger 140 nascentes em Vazante com a continuidade dos trabalhos presenciais nas escolas no período pós-pandemia, o que incluiu reuniões com temas sobre água para a comunidade. O trabalho chegou à ONU após várias seleções por especialistas de água do mundo. Para a ONU, o projeto é de alto impacto e escalável, isto é, gera impacto positivo na comunidade. “Temos que influenciar outros níveis para mostrar o que fazemos bem. Consegui representar o País e o que eu e a mineradora fazemos”. Cristiane disse que cuidar da água não é barato e a Nexa procura parceiros para dar prosseguimento ao projeto em outros municípios onde a empresa atua, com a instalação de pluviômetros, mapeamento de áreas e implantação de 35 tecnologias de retenção de água nas propriedades rurais. “O impacto que queremos gerar, às vezes, está relacionado a outros setores. Temos que ter uma visão mais aberta de impacto social”. 

Licenciamento socioambiental 

Na sequência ocorreu a palestra ‘Licenciamento socioambiental e suas restrições sob as novas perspectivas regulatórias em relação às comunidades’, com Vitor Reis Salum Tavares, Subsecretário de Regularização Ambiental da Semad. 

Salum explicou que o licenciamento ambiental tem como objetivo avaliar os impactos ambientais decorrentes das atividades produtivas estabelecendo medidas de controle, mitigação, compensação para que não tenhamos qualquer ação que desvirtue a socialização dos danos e a internacionalização dos lucros da atividade produtiva. “O procedimento administrativo de licenciamento tem que considerar todas as fases adequadas dentro de avaliação de viabilidade, cumprimento de condicionantes, de operação, que vão envolver o arranjo produtivo do desenvolvimento da atividade empresarial”. 

Na fase prévia e de instalação do licenciamento é importante pensar como será o relacionamento com o entorno. O processo de licenciamento é multidisciplinar e envolve a elaboração de diversos estudos técnicos, como o impacto ambiental na comunidade. “Atualmente, o principal instrumento que tange a avaliação de impacto ambiental é o Programa de Educação Ambiental e o DSP. Não podemos deixar de pensar como funciona o EIA-Rima, que envolve a caracterização dos municípios, das comunidades, do meio ambiente”. 

Salum destaca ainda os fatores de restrição previstos na Portaria Interministerial nº60/2015, que prevê procedimentos administrativos que disciplinam a atuação dos órgãos e entidades da administração pública federal em processos de licenciamento ambiental de competência do IBAMA. “A dinâmica social e de controle ambiental mudaram muito ao longo dos anos, e ganharam contornos além do meio ambiente. A Portaria define quais são o raio das terras indígenas e quilombolas que serão afetadas pelo empreendimento”. 

Sobre a avaliação da participação das comunidades em audiências públicas, Salum afirmou que todo processo precisa constantemente de melhorias, caso contrário estará fadado ao fracasso. Já melhoramos bastante e precisamos de um diálogo franco com todos os entes envolvidos em projetos de impactos ambientais, além de definir a forma de funcionamento de cada atividade. “Não podemos esquecer que o ordenamento jurídico dá aval para uma atividade, desde que ela cumpra todas as etapas para implantação no entorno das comunidades”. 

‘Desempenho Social na Mineração: a evolução das métricas para atender aos KPIs sociais do ESG no relacionamento com comunidades’, foi o tema abordado por Ana-Lucia Frezzati Santiago, coordenadora para a América Latina da Voconiq, discorreu sobre as ferramentas para mensurar o relacionamento com as comunidades, pois temos que saber como trabalhar essa abordagem sistemática com segurança e rigor científico. A Voconic fornece dados científicos para ajudar a entender a confiança das comunidades perante as empresas. 

Segundo Ana Lúcia, a mineração vive uma pressão para gerar melhores relatórios cada vez mais transparentes com as métricas com comunidades afetadas pelos empreendimentos. O Banco Mundial (IFC) sugere que as mineradoras façam a captura dos impactos positivos por parte das comunidades afetadas pelos projetos; redução de riscos de desacordos e interrupções operacionais e a garantia de que as comunidades compartilhem os benefícios do desenvolvimento dos negócios. “Como podemos mostrar as métricas solicitadas para que as mineradoras possam operar nas Bolsas de Valores, já que o ESG é um risco real? Não posso modelar meu relacionamento com comunidades. As empresas procuram cada vez mais tecnologias, mas têm dificuldades de conversar com as comunidades. É preciso definir melhor os impactados direta e indiretamente. A análise de risco do ponto de vista da comunidade e a empresa está inserida nela, já que os funcionários moram no território”. 

A mineração tem que trazer especialistas para a área social e saber medir a confiança e aceitação da comunidade. Impacto social pesa nas correlações estáticas e prejudica a avaliação da empresa, principalmente na questão ligada ao meio ambiente. O setor tem que aprender a lidar com as comunidades vulneráveis, com a geração de empregos na região, além de rastrear ao longo do tempo a opinião das pessoas, pois as pessoas mudam com o tempo. 

Impactos cumulativos de empreendimentos 

A palestra seguinte teve como tema ‘Impactos cumulativos de diferentes empreendimentos e a disputa com comunidades e pelos territórios’, e foi proferida por Luiz Enrique Sanchez, Professor Titular Poli/USP e Conselheiro da Brasil Mineral. O palestrante explicou que impactos cumulativos é um assunto que sempre esteve em pauta, mas ganhou repercussão, relevância e maior entendimento e que somos ruins em avaliar estes impactos e impactos sociais. 

Os impactos cumulativos são resultantes de um conjunto de intervenções em determinado ambiente, persistentes de gestões passadas. “Eles resultam de efeitos sucessivos, incrementais e/ou combinados de uma ação, projeto ou atividade quando somada a outras existentes, planejadas e/ou razoavelmente antecipadas”. Há dois tipos de impactos cumulativos: os aditivos, causados por ações do passado, presente e /ou razoavelmente previsíveis junto com o projeto, plano ou programa em análise. E os efeitos sinérgicos, que resultam da interação entre os efeitos de um projeto, plano ou programa sobre diferentes componentes do ambiente. 

Segundo Sanchez, os impactos cumulativos são raramente considerados em avaliações de impactos ambientais. Informar que determinado impacto tem propriedades cumulativas e sinérgicas não significa avaliar impactos cumulativos. O fracionamento de projetos para fins de licenciamento dificulta a avaliação dos impactos cumulativos. A comunidade percebe os impactos de qualquer forma, independentemente da fonte e os impactos de diversos empreendimentos se somam ou interagem, causando impactos sociais.

Coexistência 

Na parte final da manhã houve o painel ‘Coexistência entre empreendimentos de mineração, a mineração artesanal e as comunidades’, com a presença de Giorgio de Tomi, do NAP Mineração e Conselheiro da Brasil Mineral, Eduardo Leão, Vice-Presidente de Sustentabilidade da G Mining Ventures e Diretor da Brazauro Recursos Minerais e Paulo Misk, executivo com 37 anos de atuação no setor (Largo, Anglo American, AMG, MBR e RHI-Magnesita) e especialista em comandar equipes de alto desempenho, minerais estratégicos, ESG e cuidado com as pessoas. 

O primeiro a falar foi De Tomi, que viu evolução no diálogo acolhedor e inclusivo sobre o evento do dia anterior a respeito do “X” da questão. “Na mineração de pequeno porte é difícil abordar o ESG, pois o empreendedor não conhece a sigla. O “E” precisa evoluir bastante, apesar de haver controle ambiental. Já a comunidade é totalmente integrada ao garimpo e tem a melhor relação. Mas onde está o “G”? Precisamos ajudar os empreendedores a evoluir na parte da Governança, por meio parcerias, abordagens de cogestão e modelos de coexistência, que é um modelo de negócio para compartilhar o território e o principal mecanismo para promover a expansão da mineração de pequeno porte. A coexistência ajuda a incorporar a governança na pequena mineração, a engajar os pequenos mineradores na formalização com a mineração responsável. 

A seguir, Eduardo Leão, da G Mining, trouxe o exemplo do Tapajós, uma das maiores províncias de ouro do Brasil, que começou em 1980 e a partir dos anos 2000 criaram Unidades de Conservação, que colocou na ilegalidade 92% dos garimpeiros que trabalhavam no local. “No Tapajós há quase 20% de analfabetismo e a gente tenta fazer nossa parte, por exemplo, dando RGs e CPFs para a comunidade”. 

Atualmente o garimpeiro é marginalizado e se ele for trabalhar com cianeto ou explosivo, será um problema. “Tenho 16 títulos de pesquisa e dou uma anuência a quem quiser garimpar. Junto ao Governo, posso ajudá-lo a entrar na legalidade, para que ele continue trabalhando”. Um dos grandes problemas da mineração é a comunicação, algo que se aprende no dia a dia, junto com a comunidade, escutando a demanda de cada comunidade. 

Paulo Misk, por sua vez, disse que o evento dá a oportunidade de conversar com quem é diferente. “Ouvir as queixas de quem está sendo afetado é fundamental e a palavra-chave é conciliar, em que todos podem trabalhar juntos para o desenvolvimento de qualquer projeto”. 

Ele disse que, na Largo, a comunidade tem carinho pela empresa, pois sabe que a mineradora leva benefícios à comunidade, aproveita-se a mão-de-obra local, com a geração de emprego e renda. “Se você desenvolve o potencial que a comunidade tem, é ótimo; caso contrário, é perda de tempo”. A mineração e a comunidade têm que andar juntas, para que as duas partes sejam beneficiadas e possam resolver os conflitos um do outro. “A comunidade tem que receber os impactos cumulativos e os negativos temos que mitigar. Se resolvermos somar esses impactos positivos, as duas partes vão sair contentes”. Segundo Misk, o que não dá é deixar comunidades sofrendo e não precisa colocar ninguém em risco. "A mineração pode ser segura e liderar com a suas responsabilidades, além de garantir a segurança do território”.

Fotos: Leo Fontes