Sigma Lithium está transformando o Jequitinhonha no Vale do Lítio

07/05/2023
O projeto abre a possibilidade de transformar o Vale do Jequitinhonha, uma das regiões de mais baixo IDHNdo estado de Minas Gerais e do Brasil, em referência mundial na produção de Lítio Verde

A pós dez anos de intenso trabalho e um investimento da ordem de R$ 3 bilhões, a Sigma Lithium iniciou a produção do que ela denomina Lítio Verde em seu projeto Grota do Cirilo, localizado nos municípios de Araçuaí e Itinga, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Na Fase 1, o empreendimento deve produzir 270 mil toneladas/ano de concentrado de lítio grau bateria, capacidade que deve ser atingida em julho de 2023.

O projeto coloca o Brasil na rota de produção de lítio para baterias e abre a possibilidade de transformar o Vale do Jequitinhonha, uma das regiões de mais baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do estado de Minas Gerais e do Brasil, em referência mundial na produção de Lítio Verde, ou seja, produzido de forma ambiental e socialmente responsável. Atualmente, segundo Ana Cabral, CEO e co-presidente da Sigma Lithium, o Vale do Jequitinhonha já é conhecido lá fora como Lithium Valley ou Vale do Lítio. É que, além da Sigma, várias outras empresas estão realizando atividades de prospecção mineral na região visando o dimensionamento de outros depósitos de espodumênio, o minério descoberto pelo também mineiro (nascido em Barbacena) José Bonifácio de Andrada e Silva, em 1800, na ilha sueca de Uto e que contém lítio. Na realidade, o lítio contido no minério espodumênio já é extraído na região do Jequitinhonha há mais de três décadas, mas de grau químico, para outras finalidades e não para uso em baterias, como é o lítio produzido agora pela Sigma Lithium. Portanto, o grande mérito da empresa é viabilizar o aproveitamento daquele minério para produção de lítio grau bateria, utilizando uma rota de processamento inédita, desenvolvida pela própria companhia e de forma ambiental e socialmente sustentável, o que atraiu para o empreendimento investidores internacionais de peso, como os fundo de investimentos BlackRock, Janus Henderson e outros. Com seu projeto, a Sigma Lithium fez grandes captações de recursos financeiros na bolsa canadense TSX e na americana Nasdaq e teve seu valor de mercado aumentado exponencialmente. Ela começou valendo US$ 200 milhões e atualmente o valor de mercado da empresa é superior a US$ 3,6 bilhões. 

Mas até que começasse a produzir, o empreendimento demandou muito esforço e empenho, segundo a sua CEO. “O que as pessoas não se dão conta é que foram dez anos de muito trabalho. E o pior é que, por ser um trabalho embaixo da terra, não é visto. As pessoasiam lá e viam apenas a planta de demonstração, construída em 2018 e que enviava amostras para testes de mercado lá fora. E não davam muita importância para o projeto. Agora, quando alguém vê a planta, fica impressionado”, diz Ana.

A origem do projeto data de 2012, quando a Magnesita e Calvyn Gardner, membro do board da Sigma, adquiriram os direitos sobre a área. Durante quatro anos, até 2016, eles ficaram tentando viabilizar o empreendimento, até que houve o ingresso do fundo de investimentos A10, que é hoje um dos principais controladores e que investiu na elaboração do relatório técnico 43.101, de quantificação de reservas, para atender às normas canadenses visando à listagem em bolsa. Naquela época, conta Ana Cabral, não havia nada: apenas a sede e o trabalho de mapeamento geológico. Nos dois anos seguintes, até 2018, foi feito todo o trabalho de consolidação do mapeamento geológico e quantificação das reservas conforme os padrões internacionais, para arquivamento público nos mercados de capitais. Na ocasião, foi feito todo o processo de internacionalização da empresa, que até então era brasileira. Assim, foi criada a Sigma Lithium, que virou controladora, com ações negociadas em bolsa.

A empresa teve grande aceitação por parte dos investidores internacionais, em primeiro lugar pelo viés socioambiental do projeto e em segundo porque as perspectivas para o mercado de lítio eram bastante promissoras, por seu uso em baterias de veículos elétricos. Porém, como observa a CEO, a empresa era pequena dentro do setor, dominado por gigantes. “Não somos grandes geologicamente, em termos de reservas ou recursos (Chile, Austrália e Argentina são muito maiores e até a China está ficando maior) e isso precisa ficar claro: o forte do nosso projeto não é produzir lítio, pois o lítio não é raro. A cada hora aparecem reservas grandes em vários lugares. A Bolívia tem as maiores reservas do mundo não exploradas. O Afeganistão também possui uma das maiores reservas mundiais. Agora a Índia apareceu com reservas enormes, assim como o Irã”, diz ela.

O grande separador, portanto, é o fato de que muitas dessas reservas nunca vão ser exploradas em escala comercial grande, porque estão em ambientes de negócio hostis. “Portanto, uma primeira condição para se produzir lítio é ter um ambiente de negócios favorável, sem restrições governamentais, sem estatização -- no caso da Bolívia o governo obriga uma associação com a YPFB – porque nenhum player internacional quer ser sócio de governo”, acentua a dirigente.

Outro problema que ela vê é o ambiente de negócios do país em termos de segurança jurídica e regras minerais, celeridade de processos, de regras. “Ou seja, precisa de um ambiente de negócios que seja benigno para o capital internacional. Porque na verdade a maioria dos países do Terceiro Mundo não têm o funding interno necessário para desenvolver um projeto dessa envergadura. Nós gastamos três bilhões de reais. É um número grande. E de onde sai esse dinheiro? De mercados de capitais globais, que exigem serem respeitados como investidores, querem retorno desse capital. No nosso caso, não saiu ainda nenhum dólar de retorno. Olha a confiança depositada em nosso país por essa estirpe de primeira linha de investidores internacionais. E temos aqui a nobreza do capital de investimentos”.

O terceiro ponto importante no projeto da Sigma Lithium, que o torna especial, são os princípios socioambientais através dos quais os ativos foram desenvolvidos. “Desde o início trabalhamos para não deixar o projeto com qualquer contingência ambiental. E o primeiro grande teste dessa convicção ambiental foi a preservação do Córrego Piauí”. O projeto original da empresa previa a abertura de um grande pit para extração do minério a céu aberto, o que significava que um pequeno córrego, que enche apenas na época de chuvas e que serve a uma pequena comunidade, teria que ser desviado. A Sigma, então, decidiu mudar o projeto da cava de mineração, dividindo o pit em dois e preservando o córrego. “Foi um drama, porque a empresa era pequena, a capitalização de mercado era de US$ 200 milhões. Quando publicamos o estudo de viabilidade, em novembro de 2019, passamos o ano inteiro num vai-vém, numa série de interações com os auditores minerais do Canadá, discutindo se faríamos um superpit, que era a preferência técnica, ou se nós íamos adentrar por uma complexidade técnica de fazer dois pits no primeiro depósito. E a decisão de fazer dois pits foi ambiental. Isso criou uma complexidade técnica para o time, que eles resolveram, mas era hercúlea a tarefa de viabilizar dois pits versus o trabalho fácil de fazer o superpit e desviar o córrego. Mas para nós havia toda uma mensagem socioambiental, que era ter o respeito à comunidade, preservando essa água sazonal para eles e um comprometimento financeiro da empresa alinhado com o discurso ambiental”, narra a executiva.

Leia a matéria completa na edição 428 de Brasil Mineral