PONTO DE VISTA

In God we trust. All others must bring data

12/05/2021

 

Por Milton Rego

A boutade acima (Acreditamos em Deus. Os demais precisam mostrar resultado) é de William Deming, um dos maiores estatísticos dos Estados Unidos. Até hoje os modelos que desenvolveu são usados pelo censo norte-americano. Deming manejava com a mesma habilidade números e palavras. É dele a frase "não se gerencia o que não se mede", que me veio à mente quando li a notícia de que provavelmente o censo será adiado neste ano por causa do corte de verbas do IBGE. Vou deixar para outra ocasião as inúmeras implicações de mais essa decisão controversa. O que quero discutir – e que infelizmente será afetado pela provável desatualização do nosso censo – é a necessidade do estabelecimento de parâmetros para a avaliação do impacto social de projetos e empreendimentos.

Não foram poucas as vezes em que presenciei a frustração de executivos e empreendedores ao perceberem que muitos gestores públicos não entendem ou dão pouca importância aos ganhos sociais que atividades produtivas trazem às comunidades. Tive a oportunidade de acompanhar a avaliação de projetos dos dois lados do balcão – em empresas e no setor público. Tanto de um lado quanto de outro, a questão dos dados é um grande problema. E me refiro aqui aos dados capazes de traduzir o impacto social do empreendimento, e não àqueles relacionados à contabilidade, certificações e licenças ambientais. 

O problema é mais comum, sem dúvida, aos empreendimentos modestos ou localizados. Os grandes projetos geralmente estão vinculados ao financiamento de agências de fomento e de grandes bancos, que possuem uma dinâmica estabelecida de avaliação e acompanhamento. 

Para os governantes, a necessidade de transparência e avaliação de políticas públicas é um imperativo cada vez maior. Existe a obrigatoriedade da divulgação de dados e a necessidade de evidências que justifiquem as ações, como vantagens tributárias para a instalação de um empreendimento, ou apoio público a um projeto social financiado pela iniciativa privada.

O que é preciso ter em mente – e que não é claro para executivos e donos de empresa – é que os critérios de avaliação no setor público são mais complexos do que os da iniciativa privada. 

Um precisa do aval do acionista. O outro depende de um intrincado sistema de poder e de comunicação, que, em última instância, desemboca no voto. Os empreendimentos privados buscam, sobretudo, resultados econômicos. No setor público o resultado econômico (impostos) é importante, mas é preciso impactar a realidade social e transformá-la. E ainda há o fator tempo, que segue a agenda política e que, muitas vezes, se encontra limitado ao período de duração de um mandato, por exemplo.

E o que o setor público tenta avaliar? Tudo o que causa impacto positivo na sociedade. E quanto mais carente essa sociedade, mais possibilidades de atuação. Por exemplo: melhoria ambiental, disponibilidade de água tratada, esgoto, investimento em saúde, formação de mão de obra, atividades para aumentar a renda das famílias, incentivo à cadeia produtiva local, com escolha de fornecedores da comunidade, apoio à educação, empoderamento das mulheres, redução da violência doméstica... Enfim, todos os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS).

Voltando à questão inicial: como avaliar? Muitas das variáveis que poderiam contribuir para mensurar os impactos do empreendimento estão à disposição em órgãos da administração pública. Exemplos:

• IBGE – informações econômicas e sociais com diferentes níveis de agregação;

• Ministério do Trabalho – CAGED e diversas informações sociais;

• Ministério da Saúde – causas de óbitos, acessos à saúde;

• Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e Ministério da Cidadania– cadastros dos Programas de atendimento às famílias;

• Ministério da Educação – estatísticas relacionadas ao atendimentos das necessidades educacionais;

Citei somente entes federais, mas a maioria deles tem um espelho nos Estados e nas maiores cidades.

Na tarefa de estabelecer critérios de avaliação, a participação da academia é cada vez maior e muito bem-vinda, bem como a de autarquias, que se dedicam a produzir estudos e levantamentos a fim de amparar as análises da administração pública.

Quando o ente público não tem uma visão clara e mais técnica para medir o impacto social de projetos e atividades produtivas em sua comunidade, as empresas devem contribuir para esse desenvolvimento. Ganham todos. Quanto mais transparente e ancorado em evidências forem os benefícios de um empreendimento, menos ele dependerá dos humores do gestor de plantão. A governança melhora e, em última instância, melhora o resultado das políticas públicas. 

Quanto mais claro e transparente o resultado do empreendimento para o desenvolvimento das comunidades, maior a garantia de uma relação sadia e consensual com todos os stakeholders.