PONTO DE VISTA

Complexidade industrial ou o pavão na favela

02/03/2021

 

Por Milton Rego 

A partir deste mês, Brasil Mineral passa a contar com uma coluna regular do engenheiro Milton Rego, ex-presidente executivo da Abal (Associação Brasileira do Alumínio) e um especialista em Gestão, que abordará temas macroeconômicos relacionados com o setor mineral. Desfrute e comente. (O Editor

 

O setor mineral no Brasil e, em especial, o segmento tradeable (aquele que tem os preços dados pelo mercado internacional), não pode reclamar de 2020. De acordo com o relatório do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) divulgado no início de fevereiro, houve um crescimento exponencial de faturamento no ano passado, alavancado pela desvalorização cambial e pelo aumento dos preços das commodities.

Diferentemente da extrativa, a indústria de transformação não apresentou aumento de dinamismo — pelo contrário, manteve a tendência de regressão na estrutura econômica e estagnação de produtividade. E, quando falo de indústria de transformação, me refiro especialmente a transformação do minério e a incorporação de valor nas cadeias. Por que isso é relevante? Porque, para ser realmente competitiva, a mineração brasileira precisa necessariamente se inserir em um tecido industrial dinâmico e produtivo. 

Aviso desde já que esse não é um ponto de vista consensual. Existe entre os economistas uma discussão sobre qual deveria ser o caminho para o Brasil crescer. Aqui e no resto do mundo muitos economistas ainda não acreditam na necessidade de uma indústria forte para o desenvolvimento econômico. 

Em entrevista ao Valor Econômico, Carlos von Doellinger, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, think tank do governo), defendeu a desindustrialização, ao sustentar que atividades de manufatura, com exceção do beneficiamento de recursos naturais, não são o melhor caminho para o País. O mesmo raciocínio sustenta manifestações de membros do governo que pregam, por exemplo, o descarte puro e simples da indústria automotiva nacional em benefício da concentração de forças na agropecuária. Esse é o mainstream neoliberal. O mercado tem condições de se adaptar à melhor configuração possível. Faremos mais o que sabemos fazer melhor (leia-se grãos e carne). Menos Estado, menos amarras, mais produtividade.

Por outro lado, existem economistas, cada vez mais importantes na discussão mundial sobre desenvolvimento, que pensam justamente o contrário. Que não se deve focar nas “vantagens comparativas”, mas, sim, na construção de uma estrutura produtiva mais complexa. A busca, portanto, é por diversificação. Nesse time alinham-se Ricardo Hausmann, diretor do Center for International Development - CID, de Harvard, e economistas brasileiros como Paulo Gala, André Roncaglia, David Kupfer, entre outros.

O professor Hausmann tem um site muito conhecido, o Atlas of Economic Complexity (https://atlas.cid.harvard.edu/), que traz diversos insights sobre a complexidade industrial dos países. Vale comparar dois deles, de grande extensão, com subsolos ricos, de grande produção mineral e agropecuária desenvolvida: Brasil e Estados Unidos. O diagrama das exportações de ambos está a seguir:


O que os EUA exportaram em 2018:


O que o Brasil exportou em 2018:

Os diagramas podem ser pesquisados no site mencionado. Não vou descer a detalhes. O que quero chamar a atenção é que, visualmente, as exportações de produtos primários (quadrados amarelo e marrom) têm participação totalmente diferente nos dois países. É isso o que define uma indústria dinâmica e outra que se apoia na exportação de bens primários. 

Um país não se desenvolve (aumenta a produtividade, aumenta a renda per capita, aumenta os parâmetros de desenvolvimento humano), se não caminhar na direção de complexidade e diversificação da sua economia. Essa é a razão pela qual os países ricos exportam mais e exportam produtos mais complexos.

O que não quer dizer que a mineração e a exportação de minerais não sejam importantes para o Brasil.  Absolutamente. Ela é vital em vários sentidos: para a balança comercial, para o desenvolvimento dos territórios onde a extração acontece, para ficar em dois exemplos. Mas é preciso, como está consignado no próprio Programa Mineração e Desenvolvimento, do Ministério das Minas e Energia, “transformar o patrimônio mineral em riqueza”. 

Ou seja, precisamos incorporar produtos de maior complexidade e valor agregado nas cadeias. O café é um exemplo sempre lembrado: exportamos o grão e importamos uma cápsula cujo preço por quilo é 60 vezes maior. Com os produtos minerais acontece a mesma coisa. O nióbio e a bauxita que exportamos voltam como turbinas. O petróleo volta como gasolina e produtos químicos.

Para nos desenvolvermos como nação precisamos mudar a forma como pensamos a indústria. A mineração joga um papel fundamental aí. Tem impacto sobre setores à jusante e à montante. Influencia fornecedores (no caso, fabricantes de máquinas, serviços, construção civil etc.) e é fundamental para o suprimento de cadeias.

Eliezer Batista, uma das figuras mais lembradas quando se fala de mineração no País, costumava dizer, se referindo à distribuição de renda, que “não adianta ser um pavão na favela”. Talvez seja a hora de pensarmos o mesmo para a indústria mineral.