CONTEÚDO APRESENTADO POR:

A Política Mineral Brasileira

22/07/2022
Artigo por Alexandre Vidigal de Oliveira *

 

A mineração brasileira, responsável por parte significativa da atividade econômica do país, e de relevante interesse do setor produtivo mundial, alcançou, recentemente, um de seus maiores e mais importantes avanços, com a edição do Decreto 11.108, de 29/6/22, e a instituição da Política Mineral Brasileira e do Conselho Nacional de Política Mineral. 

Impressiona saber que um setor tão destacado e estratégico para o país ainda não tivesse concentrada a sua política em um ambiente de planejamento de longo prazo, mais de Estado e menos de governo, e que com isso pudesse levar aos atores diretamente envolvidos com o setor e à própria sociedade uma agenda substancial de compromissos com a previsibilidade, a estabilidade e a transparência que se espera no trato da coisa pública. 

A política nacional de mineração, de iniciativa do Ministério de Minas e Energia, encontrou em outros imprescindíveis segmentos da área de atuação do MME, os setores de energia elétrica, petróleo e gás, a referência para a concretização daquele impulso e, nisso, valendo-se de um modelo já maduro e de excelentes resultados no planejamento, prioridades e estratégias como as periodicamente definidas pela política energética nacional por meio do Conselho Nacional de Política Energética-CNPE. 

A diversidade dos bens minerais e a infinidade de seus usos e aproveitamentos impediu que o setor mineral também se inserisse no contexto específico da política energética. Embora muitos minerais tenham mesmo essa capacidade de ser fonte ou meio para a produção energética, como exemplo o carvão, o urânio, o lítio, o minério de ferro, o cobre, o alumínio, os elementos de terras raras, o nióbio, outros tantos minerais, porém, não têm qualquer aplicação de natureza energética, o que demandava a necessidade de a mineração no país dispor de uma estrutura e definição de políticas próprias para seu planejamento em bases mais pontuais e consistentes. 

A Política Mineral Brasileira ora instituída está muito bem explicitada nas próprias disposições do Decreto 11.108/2022, e por isso dispensando maiores detalhamentos. Do cartel da motivação a justificar a iniciativa por aquela política extraem-se os objetivos da valorização e do aproveitamento racional dos recursos minerais do país, da preservação do interesse nacional, do estímulo à pesquisa, ao desenvolvimento tecnológico, à inovação, ao extensionismo tecnológico e ao empreendedorismo, da agregação de valor aos bens minerais, da atração de investimentos para a pesquisa mineral e outros segmentos da indústria mineral, da ampliação da competitividade do país no mercado internacional, da promoção e do desenvolvimento sustentável, da responsabilidade socioambiental, do estímulo ao desenvolvimento regional e à diversificação e integração econômica local, da maximização de seus benefícios socioeconômicos, da atenção à cultura e às vocações locais, do respeito às condições adequadas de trabalho e aos direitos humanos e da promoção da concorrência e do livre mercado. 

Tais objetivos, estatuídos pelo Decreto como princípios, bem revelam e reforçam a franca disposição em se alçar as políticas para o setor mineral no Brasil a um patamar mais elevado, de planejamento de longo prazo, com um foco não mais adstrito a programas pontuais de governo, mas, agora, comprometidas com uma visão de Estado, voltadas ao atendimento do interesse nacional e aos propósitos de interesse comum da sociedade. 

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Políticas para o setor mineral não são novidade e vêm sendo implementadas há décadas. Mas não se pode desconhecer que tais políticas nem sempre atenderam a uma atuação macro, com ampla observância no tempo e no espaço, e que até mesmo se revelassem compatíveis com o elevado status político que a mineração contempla, ao ser das poucas atividades econômicas tratadas em sede constitucional, bem como de ser uma atividade essencial para a humanidade. 

Não há como cogitar-se na manutenção do modelo de vida da sociedade contemporânea, com o desfrute das elevadas conquistas tecnológicas em infraestrutura, saúde, alimentação, mobilidade, comunicação, entretenimento, bem- estar, sem a mineração. Até mesmo para corrigir os erros do passado com suas elevadas fontes poluentes, impactos e degradações ambientais, bem como para se viabilizar a transição energética do presente, tudo a possibilitar o alcance de resultados satisfatórios para se reduzir a emissão de carbono, com os bens minerais é que será possível avançar-se nessa agenda de apelo global. E, neste contexto, o Brasil se posiciona como destacado protagonista. 

Daí, então, a grande virtude do estabelecimento de uma política nacional da mineração, ou, no dizer do Decreto 11.108, de uma Política Mineral Brasileira, e que não se torne refém das periodicidades de governos, mas que se estabeleça longeva e responsiva àqueles ciclos temporais. Uma política que trace um planejamento para o setor mineral e que assim o faça a longo prazo, de modo estratégico, com a detida e aprofundada análise das situações do presente mas que seja capaz de avaliar perspectivas do cenário futuro, valendo-se do estudo de mercados, da definição de prioridades, da interação e da análise dos impactos do setor mineral com outros setores, das questões relacionadas aos desafios tecnológicos, à infraestrutura e logística, à formação, capacitação e qualificação dos profissionais do setor e das especificidades de seus variados segmentos, mas sem descurar-se das vicissitudes, contingências e conjunturas de momento, em um cenário que contemple a capacidade para as percepções temporais e tópicas dos comportamentos de mercado, das sazonalidades, e que esteja preparado para seu enfrentamento e soluções. 

Em um oportuno engajamento com a Política Mineral Brasileira tem-se a criação do Conselho Nacional de Política Mineral-CNPM. Com a definição das políticas públicas do setor agora sujeitas a uma deliberação colegiada envolvendo doze órgãos de governo será possível tornar mais factível, ágil e segura a tomada de decisões pois todos os interlocutores diretos naquilo que interessa à política mineral brasileira estarão aptos a deliberarem com especificidade quanto às áreas de suas competências, além de proporcionarem nos seus respectivos órgãos o cumprimento e o acompanhamento do quanto fora definido em certa questão do setor minerário. 

Outro aspecto relevante é a participação da sociedade na composição do CNPM. Com essa iniciativa tem-se mais uma demonstração evidenciada de que a política para o setor mineral não deve restringir-se aos programas de governo. Embora em número reduzido, de quatro integrantes, aquele colegiado contará com a oportunidade de defesa dos interesses comuns da coletividade, estabelecendo-se o CNPM como o primeiro órgão a proporcionar tal ambiente de discussão e contribuição da sociedade nas políticas públicas para a mineração. 

A mineração, por sua relevância, não comporta ser enfrentada com empirismo e improvisações. Ao contrário, demanda uma cadeia estruturada em planos, projetos, programas, metas e ações, e que conte com a profunda integração entre o setor público e o setor privado. 

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Não seria ousado afirmar que até mais importante, ou ao menos, tão importante quanto a recente conquista de governança que o setor mineral brasileiro obteve com a criação de uma agência regulatória, a instituição de uma Política Mineral Brasileira é um grande passo proporcional à grandiosidade do que representa a mineração do país. 


* Alexandre Vidigal de Oliveira é advogado, doutor em Direito, sócio do CBS Advogados, ex-Secretário Nacional de Mineração, ex-Presidente do Conselho de Administração da CPRM/SGB, ex-Presidente do Conselho Fiscal da Pré-Sal Petróleo-PPSA, Juiz Federal de 1991 a 2019.